segunda-feira, 12 de setembro de 2022

INTELIGÊNCIAS MÚLTIPLAS DE GARDNER – AS ORIGENS EXPLICADAS PELO AUTOR

 

  

Imagem de Prawny por Pixabay 

Não há dois seres humanos – nem mesmo gêmeos idênticos – que possuam o mesmo perfil em suas qualidades e suas limitações em termos de inteligência (Gardner, 2010)

 

 INTELIGÊNCIAS MÚLTIPLAS DE GARDNER – AS ORIGENS EXPLICADAS PELO AUTOR


HOWARD GARDNER conta, na obra “As inteligências múltiplas ao redor do mundo”, como começou sua teoria:

 Em 1983, publiquei Frames of Mind: The Theory of Multiple Intelligences [Estruturas da Mente: A Teoria das Inteligências Múltiplas, Artmed, 1994]. Na época, era pesquisador e psicólogo, trabalhando em tempo integral na região de Cambridge/Boston. Dividia meu tempo entre dois centros de pesquisa: o Boston Veterans Administration Medical Center, onde trabalhava e desenvolvia estudos com indivíduos que haviam sofrido alguma forma de dano cerebral, e no Projeto Zero, um grupo de pesquisa na Escola de Pós-Graduação em Educação de Harvard, que tratava de questões de desenvolvimento humano e cognição, principalmente nas artes. Meu trabalho dentro do Projeto Zero examinava o desenvolvimento, em crianças, de diferentes habilidades em várias formas de arte.

 

Eu possuía formação como psicólogo do desenvolvimento, nas tradições de Jean Piaget, Lev Vygotsky e Jerome Bruner, e me considerava parte desse segmento da comunidade acadêmica, e alguém que se dirigia a ele. Se não tivesse trabalhado junto dessas populações – crianças normais e superdotadas e as que haviam sido normais e sofreram dano cerebral – eu nunca teria concebido minha teoria das inteligências múltiplas (IM, como veio a ser chamada depois). Como a maioria das pessoas leigas e a maior parte dos outros psicólogos, teria continuado a acreditar na ortodoxia do quociente de inteligência (QI): na existência de algo único chamado inteligência, que nos permite fazer uma série de coisas mais ou menos bem, dependendo do quanto somos “inteligentes”. Nascemos com um determinado potencial intelectual que é, em grande parte, herdável (ou seja, nossos pais biológicos são os principais determinantes de nossa inteligência), e os psicometristas são capazes de nos dizer nosso nível de inteligência administrando testes nesse campo.

 

Entretanto, todos os dias em que trabalhava, eu entrava em contato com exceções evidentes a essa ortodoxia. Encontrei indivíduos com dano cerebral cuja linguagem havia sido muito prejudicada, mas que conseguiam bons sultados em contextos desconhecidos; observei pacientes com dano cerebral com dificuldades em termos espaciais, mas que conseguiam realizar todos os tipos de tarefas linguísticas. Observavam-se dissociações duplas desse tipo em todo o espectro cognitivo. Eu estava tão intrigado com esses fenômenos que, em 1975, publiquei The Shattered Mind: The Person After Brain Damage. As mesmas anomalias surgiam em meus estudos com crianças.

 

Alguém com pouca idade pode ter um desempenho excelente em poesia, ficção e expressão oral, mas ter dificuldades para desenhar uma pessoa, uma planta ou um avião. Um colega dessa pessoa pode ser excelente desenhista, mas ter dificuldade para falar, escrever ou ler. Essa ideias começaram a ser expressadas em meu livro de 1973, The Arts and Human Development, e no de 1980, Artful Scribbles. Mais uma vez, esse padrão de dissociações não é compatível com a ortodoxia que eu havia absorvido crescendo nos Estados Unidos dos anos de 1950 e como estudante de psicologia do desenvolvimento e cognitiva na década de 1960.

 

A vaga intuição de que “há algo de podre no estado da teoria sobre a inteligência” provavelmente teria permanecido sem verificação se não fosse por uma organização filantrópica holandesa, a Fundação Bernard Van Leer. Em 1979, a fundação concedeu uma verba generosa à Escola de PósGraduação em Educação de Harvard para responder à seguinte pergunta: “O que se sabe sobre a natureza e a realização do potencial humano?”. Essa era uma questão de peso – eu costumava brincar dizendo que era “uma pergunta mais típica da Costa Oeste dos Estados Unidos do que da Costa Leste”. No evento, pediram-me que preparasse uma síntese daquilo que já se havia determinado sobre cognição humana a partir das ciências biológicas, psicológicas e sociais.

 

Imagem de WikimediaImages por Pixabay 

Na China, em 2004, tentei descobrir as razões pelas quais minha teoria das IM havia se estabelecido ali. O mistério foi esclarecido por um jornalista em Xangai, que me disse: “Dr. Gardner, no Ocidente, quando as pessoas ouvem falar nas IM, vão diretamente ao que é especial em seu filho, a descobrir seu ‘gênio especial’. Na China, ao contrário, as múltiplas inteligências são simplesmente oito talentos que devemos desenvolver nos filhos de todas as pessoas”. 


 

O NASCIMENTO DA TEORIA

Alguns anos antes, eu havia feito um rascunho muito inicial de um livro chamado Kinds of Minds, mas a ideia nunca chegou a ser lançada. Ter recebido cinco anos de apoio generoso da Fundação Van Leer me deu uma oportunidade valiosa. Com a ajuda de vários assistentes de pesquisa talentosos, fiz o levantamento de uma ampla literatura sobre cognição, incluindo estudos em genética, neurociência, psicologia, educação, antropologia e outras disciplinas e subdisciplinas. Esse levantamento não apenas fortaleceu minha crescente intuição de que a cognição não era monolítica, como também proporcionou as evidências empíricas duras com as quais embasar essa afirmação.

 

Restavam dois passos. O primeiro era como chamar essas faculdades humanas dissociáveis. Cogitei uma série de nomes e, por fim, decidi chamá-las “inteligências humanas”. Essa virada léxica ofendeu alguns ouvidos e ainda gera destaque quando a digito em meu computador, mas tinha a vantagem de chamar a atenção para a teoria, em parte porque invadia um território até então pertencente a um determinado tipo de psicólogo. (Nunca subestime a reação quando pisar nos calcanhares de um grupo que acha que sabe tudo.) Tenho certeza de que não estaria escrevendo esta introdução, 25 anos depois, se houvesse produzido o mesmo livro, mas o chamando de Seven Human Faculties ou Seven Cognitive Talents.

 

O segundo passo implicava a definição de uma inteligência e de um conjunto de critérios para aquilo que deveria significar inteligência. Passei a considerar inteligência um potencial biopsicológico de processar informações de determinadas maneiras para resolver problemas ou criar produtos que sejam valorizados por, pelos menos, uma cultura ou comunidade. Mais coloquialmente, considerava a inteligência como um computador mental configurado de forma especial. Enquanto a teoria padrão sobre a inteligência postulava um computador multiuso, que determinava as melhores habilidades da pessoa dentro de um espectro de tarefas, a teoria das IM postulava um conjunto de dispositivos de informática. Ter um ponto forte em um deles não significaria força ou fraqueza em outro.

 

O que observei de forma intensa em indivíduos com danos cerebrais, o que Oliver Sacks e Alexander Luria escreveram sobre perspicácia, é, na verdade, a condição humana.

 

O que costumamos chamar de “inteligência” é uma combinação de determinadas habilidades lógico-linguísticas, particularmente as que são valorizadas na escola secular moderna. Os critérios foram consequência das várias disciplinas que eu vinha pesquisando. Como eu disse no capítulo 4 de Frames of Mind, uma inteligência se enquadra razoavelmente bem em oito critérios:

 

1. Isolamento potencial por dano cerebral.

2. Existência de idiots savants, prodígios e outros indivíduos excepcionais.

3. Operação central ou conjunto de operações identificáveis.

4. Trajetória de desenvolvimento característica, culminando em desempenho especializado.

5. História e plausibilidade evolutivas.

6. Apoio de tarefas psicológicas experimentais.

7. Apoio de dados psicométricos.

8. Suscetibilidade à codificação em um sistema simbólico.

 

Considero o conjunto de critérios como a mais original e mais importante característica da teoria das IM. Qualquer um pode criar outras inteligências, mas, a menos que elas se ajustem a alguns critérios, postular uma inteligência se torna um exercício de imaginação, e não um trabalho com base no conhecimento acadêmico. Curiosamente, nem os apoiadores nem os críticos da teoria prestaram muita atenção aos critérios.

 

 Desde o começo, deixei claro que sua aplicação era, em alguma medida, uma questão de avaliação. Não há regra inamovível para determinar se uma candidata a inteligência cumpre ou não os critérios. Dito isso, tenho adotado uma postura muito conservadora para aumentar a lista de inteligências. Como listado no parágrafo seguinte, em 25 anos acrescentei apenas uma inteligência e ainda tenho minhas dúvidas a seu respeito.

 

Em relação às inteligências em si, já mencionei as duas geralmente valorizadas nas escolas seculares modernas e invariavelmente avaliadas pelos testes de inteligência: habilidade em língua (inteligência linguística) e em operações lógico-matemáticas. As outras inteligências são a inteligência musical, a espacial, a corporal-cinestésica (uso do próprio corpo ou de partes dele para resolver problemas ou fazer algo), a interpessoal (entendimento dos outros), intrapessoal (entendimento de si mesmo), a naturalista e uma possível nona inteligência, a inteligência existencial (a que gera e tenta responder às maiores perguntas sobre natureza e preocupações humanas).

 

Em nível científico, a teoria faz duas afirmações. Em primeiro lugar, todos os seres humanos possuem essas inteligências; dito informalmente, elas são o que nos torna humanos, falando em termos cognitivos. Em segundo, não há dois seres humanos – nem mesmo gêmeos idênticos – que possuam o mesmo perfil em suas qualidades e suas limitações em termos de inteligência, pois a maioria de nós é diferente dos de nossa espécie, e mesmo os gêmeos idênticos passam por diferentes experiências e são motivados a se diferenciar um do outro.

 

Fonte: Inteligências Múltiplas - Ao redor do mundo Gardner, Howard; Chen, Jie-Qi; Moran, Seana - Porto alegre. Artmed 2010

Nenhum comentário:

Postar um comentário

ÍNDICE DO BLOG

ÍNDICE DO BLOG INSIGHT -VOCÊ POR DENTRO

    Imagem de  Vinson Tan  por  Pixabay   ÍNDICE  LEITURAS  DIVERSAS  "O Sagrado Feminino e Masculino"  -A cess...